(A. M. de Godoy T.)
Ter um
jardim bonito o ano todo é uma trabalheira danada. Jardinar cansa o corpo,
machuca as mãos, arranha pernas e braços e é preciso muito trabalho e esforço
para deixá-lo harmonioso e florido. Eu amo jardinar e tenho a felicidade de ter
um jardim.
Meu
jardim, assim como todos que conheço, segue as regras da natureza e explode em
cores e aromas na primavera, assim conhecida, com muita propriedade, como
estação das flores. Porém, quem ama jardins encontra neles a beleza das outras
estações. Há a beleza do outono, embalada pelo vai e vem das folhas que caem
pelo chão e são levadas pelo vento. Há a beleza destemida do verão, que suga do
calor um colorido de energia. Mas de todas, é a beleza do inverno que me causa
uma alegria especial. Talvez por finalizar o ciclo das estações, metáfora da
maturidade a qual sigo em paralelo.
O fato é
que as flores que se abrem nessa época me lembram amores maduros, que explodem
em sabedoria e por isso mesmo sabem se colorir com os mais belos matizes. São
mais que perfeitos!
Assim
está meu jardim agora. Embora o verde ainda predomine nos canteiros de lírios
(lilium), agapantos (agapanthus africanus), copos-de-leite (zantedeschia
aethiopica), nas iris-azuis (neomarica
caerulea) e tantas outras variedades que se enchem de folhagens
exuberantes e fartas esperando a próxima estação para abrirem em cores, algumas
espécies, típicas da estação do frio já floresceram e são elas os astros e
estrelas deste show de cheiro, cor e magia.
Gosto de
andar pelo jardim no final do dia, antes que a tarde esmoreça, momento em que a
iluminação é pano de fundo perfeito para esta época do ano.
Passo
pelos buquês-de-noiva (spiraea cantoniensis) com
seus galhos longos e flexíveis cobertos de minúsculas flores brancas e vejo-os
abraçados com as ramagens das flores de são miguel (petrea subserrata),
recobertos de flores azuis e igualmente diminutas. Parecem namorados que se
deixam embalar pela brisa fresca. Passo quieta para não perturbá-los e não
muito longe vejo touceiras de azaléias (rhododrendon) na cor
vermelha que se deixam abraçar pelas ramagens fortes de outra touceira das
flores de são miguel, feito outro par apaixonado.
Mudo meu
trajeto, não quero ser bisbilhoteira, e o zumbido das abelhas em torno das
pitangueiras desviam meus olhos em direção ao som. Os galhos estão salpicados
de flores brancas disputadas pelas abelhas, num vaivém frenético — um enxame em
núpcias!
Ao lado
das pitangueiras estão as amoreiras com seus galhos pintados de pontinhos
negros, frutos maduros que atraem uma variedade de pássaros, alegres
pretendentes a disputar os frutos mais doces.
Envergonhada
por flagrar tantos amores, desvio meu passeio para o lado de outros canteiros.
Lá, alguns lírios amarelos ameaçam se abrir. Parecem olhos a espiar as
companheiras ao lado, as íris-azuis, que já exibem um quê do azul de suas
flores, como meninas prestes a se despertar para o amor.
Os
brincos-de-princesa (Fuchsia) que cobrem uma das alamedas, sem
dúvida, são os grandes conquistadores. Se não bastasse se enlaçarem com as
ramagens da primavera também se debruçam sobre as maria-sem-vergonha (impatiens
walleriana), no mais explícito abraço de paixão. Lanço-lhe um olhar de riso
disfarçado e juro que ele retribui com o roçar de seus galhos no meu braço.
Também
posso jurar que por todos os cantos onde passo observo carícias, presencio
entregas e olhares de ternura, pétalas que pulsam, ramos que se afagam.
Todo
ano, nesta época, espero por esse cenário. Embora sabendo o que me espera, sou
surpreendida por um espetáculo de emoção. É a natureza enamorada. É um clima de
paixão e nele gosto de me entregar.