sábado, 28 de julho de 2018

Amores mais que perfeitos

Amores mais que perfeitos
(A. M. de Godoy T.)

Ter um jardim bonito o ano todo é uma trabalheira danada. Jardinar cansa o corpo, machuca as mãos, arranha pernas e braços e é preciso muito trabalho e esforço para deixá-lo harmonioso e florido. Eu amo jardinar e tenho a felicidade de ter um jardim.
Meu jardim, assim como todos que conheço, segue as regras da natureza e explode em cores e aromas na primavera, assim conhecida, com muita propriedade, como estação das flores. Porém, quem ama jardins encontra neles a beleza das outras estações. Há a beleza do outono, embalada pelo vai e vem das folhas que caem pelo chão e são levadas pelo vento. Há a beleza destemida do verão, que suga do calor um colorido de energia. Mas de todas, é a beleza do inverno que me causa uma alegria especial. Talvez por finalizar o ciclo das estações, metáfora da maturidade a qual sigo em paralelo.
O fato é que as flores que se abrem nessa época me lembram amores maduros, que explodem em sabedoria e por isso mesmo sabem se colorir com os mais belos matizes. São mais que perfeitos!
Assim está meu jardim agora. Embora o verde ainda predomine nos canteiros de lírios (lilium), agapantos (agapanthus africanus), copos-de-leite (zantedeschia aethiopica),  nas iris-azuis (neomarica caerulea) e tantas outras variedades que se enchem de folhagens exuberantes e fartas esperando a próxima estação para abrirem em cores, algumas espécies, típicas da estação do frio já floresceram e são elas os astros e estrelas deste show de cheiro, cor e magia.
Gosto de andar pelo jardim no final do dia, antes que a tarde esmoreça, momento em que a iluminação é pano de fundo perfeito para esta época do ano.
Passo pelos   buquês-de-noiva (spiraea cantoniensis  com seus galhos longos e flexíveis cobertos de minúsculas flores brancas e vejo-os abraçados com as ramagens das flores de são miguel (petrea subserrata), recobertos de flores azuis e igualmente diminutas. Parecem namorados que se deixam embalar pela brisa fresca. Passo quieta para não perturbá-los e não muito longe vejo  touceiras de azaléias (rhododrendon) na cor vermelha que se deixam abraçar pelas ramagens fortes de outra touceira das flores de são miguel, feito outro par apaixonado.
Mudo meu trajeto, não quero ser bisbilhoteira, e o zumbido das abelhas em torno das pitangueiras desviam meus olhos em direção ao som. Os galhos estão salpicados de flores brancas disputadas pelas abelhas, num vaivém frenético — um enxame em núpcias!
Ao lado das pitangueiras estão as amoreiras com seus galhos pintados de pontinhos negros, frutos maduros que atraem uma variedade de pássaros, alegres pretendentes a disputar os frutos mais doces.
Envergonhada por flagrar tantos amores, desvio meu passeio para o lado de outros canteiros. Lá, alguns lírios amarelos ameaçam se abrir. Parecem olhos a espiar as companheiras ao lado, as íris-azuis, que já exibem um quê do azul de suas flores, como meninas prestes a se despertar para o amor.
Os brincos-de-princesa (Fuchsia) que cobrem uma das alamedas, sem dúvida, são os grandes conquistadores. Se não bastasse se enlaçarem com as ramagens da primavera também se debruçam sobre as maria-sem-vergonha (impatiens walleriana), no mais explícito abraço de paixão. Lanço-lhe um olhar de riso disfarçado e juro que ele retribui com o roçar de seus galhos no meu braço.
Também posso jurar que por todos os cantos onde passo observo carícias, presencio entregas e olhares de ternura, pétalas que pulsam, ramos que se afagam.
Todo ano, nesta época, espero por esse cenário. Embora sabendo o que me espera, sou surpreendida por um espetáculo de emoção. É a natureza enamorada. É um clima de paixão e nele gosto de me entregar. 






domingo, 15 de julho de 2018

Gracias a la vida


Gracias a la vida
(A. M. de Godoy T.)

Este ano o verão me pareceu mais quente e mais ardido do que nos verões passado. Mesmo quando carregado de nuvens feito um acolchoado de algodão grosso e denso, capaz de esconder a luz solar, ainda assim os dias foram quentes, abafados e sufocantes.
O sol, inclemente, castigou de ardume as horas em que se pós a pino. Desagradável trabalhar no jardim, na horta, ou mesmo em lugar sombreado, pois até sob as árvores o desconforto do mormaço era como um sopro quente, igual ao que escapa de um forno em brasas quando as portas se abrem. Nessas horas podia-se ver o vapor que emanava da água do lago e pairava sobre ela como uma tímida fumaça. E a água parada dava um ar desolador que me enchia de preguiça.
As aves se escondiam. Nem o cheiro das bananas colocadas nos poleiros, ou os alpiste, sementes de girassóis, migalhas de pão, ou a água fresca no bebedouro, eram chamariz para os bem-te-vis, sanhaços, beija-flores, juritis e até mesmo para os sempre famintos pardais. Era a fadiga do verão, que a todos nos atinge com preguiça e nos tira toda vontade, até mesmo de comer ou de beber.
O gramado também mostrou seu cansaço. As folhas se enrolavam e pendiam murchas.
Algumas flores sentiram mais que outras. Beijinhos murchavam e pendiam de seus galhos igualmente murchos que lambiam o chão, suplicando por uma gota de água. Gladíolos, alguns retardatários da estação anterior, não sobreviviam mais que um dia. Suas flores uma a uma, dia após dia, iam se abrindo e fenecendo sem se expor a dois sois consecutivos. 
Já as dálias e as rosas, mantinham-se erguidas e altivas e exibiam-se com mais cor e vigor, como se o sol causticante lhes fosse uma dádiva, o que me fazia lembrar que para tudo há exceção. 
Berinjelas, jilós, alface, almeirão, couve murchavam mas se mostravam revigorados nas primeiras horas da manhã, assim como Prometeu, ao amanhecer, depois de uma noite de tormenta com os abutres.
Mas, quando isso mudava, quando o calor insuportável provocava as chuvas furiosas no final da tarde, o céu parecia desabar tamanho era o escândalo provocado pelo barulho dos trovões, raios e rajadas de vento e a chuva despencava em gotas grossas e com força. Nessas horas fechava meus olhos para não ver os raios mas não me livrava do som estrondoso dos trovões que fazia tremer o coração. Escutava o assobio do vento e se arriscava um olhar via seu açoite nas árvores a levantar pelos ares folhas, paus, tudo ao som de um uivo raivoso. Encolhida num canto da casa e curvada para frente, com as mãos apertadas uma contra a outra e espremidas entre os joelhos, ao mesmo tempo em que pedia aos céus proteção, imaginava o deus Thor furioso e medonho como sempre imagino serem os deuses nórdicos, arrastando seu enorme e pesado martelo. Assim, num misto de devoção que envolvia mais lendas do que crença, fazia minhas rezas mescladas de imagens aterrorizantes.
E quando tudo se acalmava e a chuva seguia tranquila, em pingos finos e ralos a bater no chão numa cadencia suave e o sol aparecia e enchia a tarde de claridade e no horizonte figurava um arco íris, a imagem que se descortinava era deslumbrante. Um presente. Uma dádiva da natureza.
Então meu coração se punha de joelhos e agradecia a todos os deuses por viver. Agradecia por ver, tocar, cheirar e, tão forte era a emoção que podia ouvir dentro de mim a melodia como vinda de longe, ecoando os versos em oração de Violeta Parra... ”gracias  a la vida, que me ha dado tanto; me Dio dos luceros, que quanfo los abro, perfecto distingo lo negro del blanco y en el alto cielo su fondo estrellado...”


quinta-feira, 12 de julho de 2018

Sementes do meu jardim

Sementes do meu jardim 
(A.M. de Godoy T.)         
  
Sementes do meu jardim
Ofereço ao tempo
Que se encarrega de semeá-las.

Algumas explodirão em luz e calor.
Revoada de encantos,
Manhãs que se alargam
Em sinfonia de aconchegos
Suavizando árduos caminhos.

Outras serão feito poeira
Apagando querências,
Cobrindo passados,
Abandonando passadas 
Num deserto de ventos e dunas.

São sementes do meu jardim !
E bons tempos as carregam !
Mas é o solo que as acolhe
O senhor dos seus destinos.

terça-feira, 3 de julho de 2018

Devaneios (II)


 Devaneios (II)
(A. M. de Godoy T.)


Acredito que o lago se tornará um local de nidificação. Essa minha crença já atingiu as galinhas d'água. Todo ano elas aparecem para chocar e normalmente nascem de quatro a seis filhotes. Depois de crescidos abandonam o local e um casal permanece, não sei se sempre o mesmo. Sei que são ariscas e não se acostumam com a presença de humanos. Quando o caminho que contorna o lago começou a ser construído, muito próximo do trajeto havia um casal delas chocando e o trabalho foi interrompido por meses, até os filhotes se tornarem adultos, bater asas e sumir. Foi o primeiro casal de galinha d’água e a primeira ninhada que se criou desde que o lago se formou. Gosto de pensar que aqueles filhotes voltaram para ter seus filhotes, e os filhotes deles também voltaram para ter os seus, e nesses meus pensamentos já estou na décima geração de galinhas d’águas.

domingo, 1 de julho de 2018

Devaneios (I)


Devaneios (I)
(A.M. de Godoy T.)

Durante o final de semana tive por companhia duas garças brancas. Uma permaneceu a maior parte do tempo dentro d'água, na parte rasa do lago. Por vezes andava devagar e com elegância. Depois ficava à espreita, imóvel. Quando mergulhava o bico n'água o golpe era certeiro e nele trazia um peixe. A outra, sempre que a procurei, estava pousada em algum galho de angico, sempre nos mais próximos da margem do lago. Mudava de lugar, mas sempre empoleirada. A que pescava era de porte maior e se fartou de comer. Já a outra, jejuou. Foi a primeira vez que vi por aqui duas garças juntas. Quisera que fosse um casal!     
Quando deixei o lugar para retornar a cidade grande, a tarde começava a perder sua luz e meus pensamentos corriam soltos, relembrando tudo de bom que esse final de semana me proporcionou. Enquanto o carro atravessava o jardim, olhei o lago à minha esquerda e vi quando uma das garças, a de porte maior, levantou voo. E antes que o carro deixasse o lago para trás a outra fez a mesma coisa. Saímos juntas, cada uma de nós voando à sua maneira.