Gracias a la vida
(A. M. de Godoy T.)
Este ano o
verão me pareceu mais quente e mais ardido do que nos verões passado. Mesmo quando
carregado de nuvens feito um acolchoado de algodão grosso e denso, capaz
de esconder a luz solar, ainda assim os dias foram quentes, abafados e sufocantes.
O sol,
inclemente, castigou de ardume as horas em que se pós a pino. Desagradável trabalhar
no jardim, na horta, ou mesmo em lugar sombreado, pois até sob as árvores o
desconforto do mormaço era como um sopro quente, igual ao que escapa de um forno
em brasas quando as portas se abrem. Nessas horas podia-se ver o vapor que
emanava da água do lago e pairava sobre ela como uma tímida fumaça. E a água
parada dava um ar desolador que me enchia de preguiça.
As aves se
escondiam. Nem o cheiro das bananas colocadas nos poleiros, ou os alpiste,
sementes de girassóis, migalhas de pão, ou a água fresca no bebedouro, eram
chamariz para os bem-te-vis, sanhaços, beija-flores, juritis e até mesmo para
os sempre famintos pardais. Era a fadiga do verão, que a todos nos atinge com
preguiça e nos tira toda vontade, até mesmo de comer ou de beber.
O gramado
também mostrou seu cansaço. As folhas se enrolavam e pendiam murchas.
Algumas
flores sentiram mais que outras. Beijinhos murchavam e pendiam de
seus galhos igualmente murchos que lambiam o chão, suplicando por uma gota de
água. Gladíolos, alguns retardatários da estação anterior, não sobreviviam mais que um dia. Suas flores uma a uma, dia após dia, iam se abrindo e
fenecendo sem se expor a dois sois consecutivos.
Já as dálias
e as rosas, mantinham-se erguidas e altivas e exibiam-se com mais cor e vigor,
como se o sol causticante lhes fosse uma dádiva, o que me fazia lembrar que para
tudo há exceção.
Berinjelas,
jilós, alface, almeirão, couve murchavam mas se mostravam revigorados nas
primeiras horas da manhã, assim como Prometeu, ao amanhecer, depois de uma noite de tormenta com os
abutres.
Mas, quando
isso mudava, quando o calor insuportável provocava as chuvas furiosas no final
da tarde, o céu parecia desabar tamanho era o escândalo provocado pelo barulho
dos trovões, raios e rajadas de vento e a chuva despencava em gotas grossas e
com força. Nessas horas fechava meus olhos para não ver os raios mas não me
livrava do som estrondoso dos trovões que fazia tremer o coração. Escutava o
assobio do vento e se arriscava um olhar via seu açoite nas árvores a levantar
pelos ares folhas, paus, tudo ao som de um uivo raivoso. Encolhida num canto da
casa e curvada para frente, com as mãos apertadas uma contra a outra e
espremidas entre os joelhos, ao mesmo tempo em que pedia aos céus proteção,
imaginava o deus Thor furioso e medonho como sempre imagino serem os deuses
nórdicos, arrastando seu enorme e pesado martelo. Assim, num misto de devoção
que envolvia mais lendas do que crença, fazia minhas rezas mescladas de imagens
aterrorizantes.
E quando
tudo se acalmava e a chuva seguia tranquila, em pingos finos e ralos a bater no
chão numa cadencia suave e o sol aparecia e enchia a tarde de claridade e no
horizonte figurava um arco íris, a imagem que se descortinava era deslumbrante.
Um presente. Uma dádiva da natureza.
Então meu
coração se punha de joelhos e agradecia a todos os deuses por viver. Agradecia
por ver, tocar, cheirar e, tão forte era a emoção que podia ouvir dentro de mim
a melodia como vinda de longe, ecoando os versos em oração de Violeta Parra...
”gracias
a la vida, que me ha dado tanto; me Dio dos luceros, que quanfo los
abro, perfecto distingo lo negro del blanco y en el alto cielo su fondo
estrellado...”
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