domingo, 15 de julho de 2018

Gracias a la vida


Gracias a la vida
(A. M. de Godoy T.)

Este ano o verão me pareceu mais quente e mais ardido do que nos verões passado. Mesmo quando carregado de nuvens feito um acolchoado de algodão grosso e denso, capaz de esconder a luz solar, ainda assim os dias foram quentes, abafados e sufocantes.
O sol, inclemente, castigou de ardume as horas em que se pós a pino. Desagradável trabalhar no jardim, na horta, ou mesmo em lugar sombreado, pois até sob as árvores o desconforto do mormaço era como um sopro quente, igual ao que escapa de um forno em brasas quando as portas se abrem. Nessas horas podia-se ver o vapor que emanava da água do lago e pairava sobre ela como uma tímida fumaça. E a água parada dava um ar desolador que me enchia de preguiça.
As aves se escondiam. Nem o cheiro das bananas colocadas nos poleiros, ou os alpiste, sementes de girassóis, migalhas de pão, ou a água fresca no bebedouro, eram chamariz para os bem-te-vis, sanhaços, beija-flores, juritis e até mesmo para os sempre famintos pardais. Era a fadiga do verão, que a todos nos atinge com preguiça e nos tira toda vontade, até mesmo de comer ou de beber.
O gramado também mostrou seu cansaço. As folhas se enrolavam e pendiam murchas.
Algumas flores sentiram mais que outras. Beijinhos murchavam e pendiam de seus galhos igualmente murchos que lambiam o chão, suplicando por uma gota de água. Gladíolos, alguns retardatários da estação anterior, não sobreviviam mais que um dia. Suas flores uma a uma, dia após dia, iam se abrindo e fenecendo sem se expor a dois sois consecutivos. 
Já as dálias e as rosas, mantinham-se erguidas e altivas e exibiam-se com mais cor e vigor, como se o sol causticante lhes fosse uma dádiva, o que me fazia lembrar que para tudo há exceção. 
Berinjelas, jilós, alface, almeirão, couve murchavam mas se mostravam revigorados nas primeiras horas da manhã, assim como Prometeu, ao amanhecer, depois de uma noite de tormenta com os abutres.
Mas, quando isso mudava, quando o calor insuportável provocava as chuvas furiosas no final da tarde, o céu parecia desabar tamanho era o escândalo provocado pelo barulho dos trovões, raios e rajadas de vento e a chuva despencava em gotas grossas e com força. Nessas horas fechava meus olhos para não ver os raios mas não me livrava do som estrondoso dos trovões que fazia tremer o coração. Escutava o assobio do vento e se arriscava um olhar via seu açoite nas árvores a levantar pelos ares folhas, paus, tudo ao som de um uivo raivoso. Encolhida num canto da casa e curvada para frente, com as mãos apertadas uma contra a outra e espremidas entre os joelhos, ao mesmo tempo em que pedia aos céus proteção, imaginava o deus Thor furioso e medonho como sempre imagino serem os deuses nórdicos, arrastando seu enorme e pesado martelo. Assim, num misto de devoção que envolvia mais lendas do que crença, fazia minhas rezas mescladas de imagens aterrorizantes.
E quando tudo se acalmava e a chuva seguia tranquila, em pingos finos e ralos a bater no chão numa cadencia suave e o sol aparecia e enchia a tarde de claridade e no horizonte figurava um arco íris, a imagem que se descortinava era deslumbrante. Um presente. Uma dádiva da natureza.
Então meu coração se punha de joelhos e agradecia a todos os deuses por viver. Agradecia por ver, tocar, cheirar e, tão forte era a emoção que podia ouvir dentro de mim a melodia como vinda de longe, ecoando os versos em oração de Violeta Parra... ”gracias  a la vida, que me ha dado tanto; me Dio dos luceros, que quanfo los abro, perfecto distingo lo negro del blanco y en el alto cielo su fondo estrellado...”


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