terça-feira, 21 de agosto de 2018

Jardinar é preciso

Jardinar é preciso
(A. M. de Godoy T.)

Amo jardinar e amo jardins!
Conheço pouquíssimas pessoas que gostam de jardinar e muitas que gostam de jardins, ma
s quem conhece o assunto sabe que entre aquele e este gosto vai uma grande diferença.
Fico emocionada quando encontro um jardineiro de vocação, por isso quero falar de uma cena que presenciei recentemente. Uma senhora idosa, que presumi ter passado em muito a casa dos oitenta, jardinava com uma menina de pouco mais de dez anos, que supus ser sua parenta. Elas plantavam um ipê no jardim em frente à casa. A senhora instruía, a menina obedecia. Eram gestos de amor a rodear aquela muda de dois palmos de altura. Um poema silencioso, a quatro mãos, de gestos de carinhos. Vale lembrar que ipê demora em média de quatro a cinco anos para florescer, nem é muito tempo, mas considerando a idade da senhora pensei que talvez ela nem alcançasse as primeiras floradas. Mas jardineiro não se preocupa com isso. A ele pouco importa se desfrutará do frescor da sombra ou se verá suas flores ou se comerá do fruto da árvore que plantou. Jardineiro não planta apenas para si, planta para os outros. O tempo do jardineiro é o futuro, mesmo que para ele o futuro não ultrapasse o amanhã.
Aquela senhora era uma jardineira de vocação ensinando uma jovem a como jardinar.
Foi então que imaginei um mundo diferente, onde jardinagem fosse matéria obrigatória nos curriculum escolares. Faríamos provas de construir canteiros, de semear margaridas, petúnias, de plantar jabuticabeiras, angicos, cedros, e qualquer outra planta, de livre escolha e gosto. Teríamos lição de como plantar e cultivar em qualquer lugarzinho que carecesse de verde e cor. Nossa morada seria, obrigatoriamente, rodeada de jardins. Os terrenos baldios e as áreas degradadas seriam reflorestados. Inundaríamos-nos de tantas plantas e de tantos desejos de plantar que de nossos corações brotariam avencas, samambaias, palmeiras, cerejeiras, mognos... e  flores, muitas flores.
Quem dera pudesse ser assim! Seríamos diplomados jardineiros, de coração e vocação!
E o mundo seria um só jardim. E voltaríamos ao início, no princípio, quando o Criador fez a terra produzir relva, e as ervas deram sementes, e as árvores frutificaram e deram frutos segundo as suas espécies, e viu Ele que isso era bom.


terça-feira, 14 de agosto de 2018

As estações


As estações
(A. M. de Godoy T.)

Senhor
Tudo está pronto para o espetáculo de cor.
Os dias se enchem de mais luz.
O céu de mais azul.
Os botões, prontos a abrir em flor,
Elevam-se para o céu como mãos prestes a se espalmar em seu louvor.
É o milagre do colorido, do perfume, da luz.
É a Terra em sedução.
Menina-moça no auge do esplendor.

Senhor
A terra ressequida está sedenta,
O verde pende, se debruça
E pela gota que restou do orvalho ele procura.
Mande o aguaceiro inesperado
Com relâmpagos e trovões passageiros,
Como véu transparente
A se descortinar frente ao sol inclemente.
Mande o aguaceiro cobrir a Terra.
E a torne fecunda, em espera
Pelo milagre da germinação.
E a deixe encantada, aguardando
Pelo seu rebento que despontará do chão.

Senhor
Os dias e noites passam calmos
O amarelo tinge os montes, os campos, os vales.
Há um bailado de folhas no ar
Outras repousam no chão
Outras tantas logo mais cairão.
O vento assobia uma melodia suave,
A murmurar que é chegada a hora,
O momento exato.
A Terra está pronta.
A colheita se aponta.
É a fartura.
O parto
Do sagrado.

Senhor
Dias e noites são desiguais
Tudo se recolhe, se retrai.
O verde se apaga, e esmorece
O colorido no horizonte.
Pássaros e animais se escondem.
A terra, essa senhora,
Não experimenta mais do cio
E adormece, coberta pelo frio.
E hiberna, e repousa, e esquece,
E morre, e renasce,
E um novo ciclo recomeça
Assim e sempre, como uma prece,
Amém.



sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Maria-sem-vergonha


Maria-sem-vergonha
(A. M. de Godoy T.)

Muitas flores são conhecidas popularmente por seus nomes bizarros, curiosos, engraçados e até mesmo excêntricos. Maria-sem-vergonha é uma delas e bem que faz jus a este nome, pois é mesmo desavergonhada. Cresce em qualquer lugar, tanto pode ser a pleno sol ou a meia sombra, se reproduz com facilidade, não exige cuidados especiais, invadem mata fechada se aninhando debaixo de árvores, extrapolam cercas, muros, jardins se intrometendo entre outras flores, enfim... de comportamento que bem lhe assegura o nome e até lhe impõem um outro mais vexatório: invasora. E tem mais, por apresentar crescimento muito rápido, faz jus também ao seu nome científico:  Impatiens que em latim quer dizer impaciente.
Mas tem também uma característica que lhe garante nomes mais carinhosos.  Possuem cápsulas onde se alojam as sementes que se arrebentam ao menor contato, lançando longe as sementes, e por isso são chamadas de beijo ou beijinho.
Espécie nativa do leste da África, as primeiras mudas foram trazidas por D. Pedro I quando veio com a Imperatriz Maria Leopoldina para o Brasil e plantadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Rapidamente se aclimataram e se proliferaram nos jardins do Brasil. Dai pra popularizar seu nome foi um pulo pois diziam que “As flores de Maria (Leopoldina) davam em todo lugar, eram flores sem vergonha”. Verdade ou não, a justificativa é bem apropriada.

Maria-sem-vergonha                    
(A. M. de Godoy T.)

Flor singela                                                    
Que alegra
Os atalhos                                           
E os largos
Dos caminhos                                       
Onde passo.

Flor brejeira

Flor campeira, 

Branca                                                   
E vermelha
Cor-de-rosa
E amarela.

Flor faceira
Espaçosa,
Esparrama
E rasteja,
Sob a mata,                                                Sobre as pedras.                         

Cobre campos
Ribanceiras
Não tem solo
Nem tem onde
Onde cai
Cresce aos montes

E aqui junto da fonte
Entre tantas
São tão belas.
São beijinhos de arcanjos,
Querubins e serafins
No céu do meu jardim.



segunda-feira, 6 de agosto de 2018

A simplicidade é o último grau da sofisticação


A simplicidade é o último grau da sofisticação
(A. M. de Godoy T.)

Nos meses de maio a agosto, onde a chuva é mais escassa, é que elas aparecem. Acompanho o processo de suas aparições geralmente concentrado nos canteiros de couves, rúculas, brócolis. Primeiro são os ovos, depositados na parte das folhas voltada para o solo. Pequenos pontinhos amarelos dispostos um ao lado do outro, de forma milimétrica e precisa, a cobrir uma área quadrada, quando muito, de um centímetro de lado. Ali ficam alguns dias até se transformarem em lagartas, pequenos filetes cinza e cheios de pernas que se espalham pelos canteiros e se movimentam sem parar por sobre as folhas. São de apetite voraz. Em pouco tempo transformam canteiros ricos em folhas num lugar de talos espetados no chão. Então desaparecem, se recolhem para a última etapa e a metamorfose acontece. E quando percebo: do feio se fez o belo, do cinza se deu a cor, da terra se foi pro ar.
É assim. Todo ano, nesta época o jardim recebe milhares de borboletas. Pela manhã, assim que o sol se põe a brilhar, elas se põem a bailar. São de vários tamanhos e cores e desenhos. Vistas de longe são como pétalas de flores levadas pelo vento. De perto são como pinturas animadas, inquietas e agitadas.  Pousam nas flores, nos frutos, no chão, e até nos meus braços suados para sorver o sal do meu corpo. Também voam em bando pra pousar em algum lugar onde permanecem paradas, com as asas fechadas formando um plano que se ergue na vertical. A um leve movimento de folhas ou galhos ou mesmo uma golfada de vento elas levantam voo e se espalham. Voam desgovernadas e de repente se agregam e pousam em outro lugar. Ali ficam por instantes e novamente, por conta de algum movimento ou barulho, ou sem motivo nenhum, se dispersam. E assim passam o dia, e desse vai e vem, embora o final seja conhecido, são sempre surpreendentes o desarranjo, a coreografia e o reencontro. Ano após ano acompanho este espetáculo que se repete, e que nunca é igual, embora não pareça diferente.  
Este ano, excepcionalmente, predominou um só tipo. Pequenas, não mais de cinco centímetros, na cor amarelo alaranjado e com finos traços pretos a lhes realçar o contorno das asas e outras linhas internas. Apenas isso. Não que fossem feias, mas simples demais, um pouco sem graça, achei, acostumada que estava a ver desenhos mais elaborados. Quando isolada, assentada sobre uma flor, passava despercebida, confundida com uma folha seca ou murcha. Fiquei desapontada e achei que este ano não despertariam interesse nem chamariam atenção. Ledo engano. A homogeneidade da cor, do tamanho e desenho realçou a coreografia do bailado. Tornou-o mais atraente e mais delicado e mais harmonioso e mais belo. Tornou-o perfeito. Foi um despertar para a verdade do mestre da Vinci, que achei apropriada parar dar título a este texto.