domingo, 24 de junho de 2018

Passarinho


Passarinho
(A. M. de Godoy T.)


Voa! Voa passarinho!
Voa que teu destino é voar.
Seu bailado é tua alma.
Voa, encha de riscos o ar.

Canta! Canta passarinho!
Canta que teu oficio é cantar.
Nos acordes do teu trinado
É que me ponho a sonhar.

Passarinho da cor do céu
E também da cor do mar.
Teu azul é minha guia
Não fujas do meu olhar.

Te vejo no manacá
E no alto do jatobá
Te ouço no romper da aurora
É quem ouço cantar agora.

Passarinho se eu pudesse
Ter asas para voar
Dançaria no teu bailado
Faria de ti o meu par.

Passarinho se tu pudesses
Atender ao meu chamado
Serias meu companheiro
No meu reino encantado.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Flor da lua


Flor da lua
(A. M. de Godoy T.)

Quando compro ou ganho uma planta geralmente recorro a sites ou livros de botânica pra saber um pouco do que estou levando para o meu jardim. Às vezes até faço uma pesquisa minuciosa. Não foi o que aconteceu quando a vinte anos atrás ganhei de uma tia uma muda de flor, que na verdade era um galho, e ao me entregar aquela muda disse ser da flor mais linda do mundo.
Essa minha tia era uma fofa. Achava tudo lindo e maravilhoso de modo que não levei a sério o que disse e por algum motivo que desconheço não procurei saber que flor sairia daquela muda, que lembrava um ramo de cacto.
Ela também falou pra plantar no pé de alguma árvore, pois era uma trepadeira, mas que não fosse um lugar de muita sombra. Fiz como me pediu. Plantei junto a uma primavera (bougainvillea) de cor sulfurina que fica perto de uma das entradas da casa.
Dois anos depois alguns galhos de pouco mais de 60 centímetros já haviam se formado. Com o passar dos anos mais galhos foram se formando, os mais compridos com até quatro metros de altura, emaranhados entre os galhos da primavera. Era de fato um cacto, diferente dos que conhecia no nordeste brasileiro. Seus ramos longos, embora lembrassem folhas, eram como hastes achatadas, “gordinhas”, bem firmes e sem espinhos. 
Foram muitos os verões em que vi vários botões pendurados nos galhos e que demorariam alguns dias para abrir. Quando voltava a vê-los me deparava com uma espécie de botão, formado por pétalas brancas, com cerca de 20 cm de tamanho, pendentes nos ramos. Assim mesmo, de “cabeça pra baixo”. Assim ficavam, não abriam com a luz do sol, murchavam e caiam no chão. Nunca vi nada mais sem graça e só mesmo a fofa da minha tia pra achar aquilo a flor mais linda do mundo. 
Por ironia do destino foi somente o ano passado, numa noite de sábado, por volta das onze horas, ao sair pra fora de casa, e por aquela porta onde fica a primavera, que ao acender a luz me deparei com o maior e mais estonteante espetáculo de beleza que poderia ver numa noite escura de verão. Trinta e seis flores brancas, delicadas e riquíssimas em detalhes, com mais de um palmo de diâmetro, resplandeciam entre os galhos da primavera. Tomei tamanho susto e gritei: - é a flor mais linda do mundo e acho que a fofa da minha tia deve ter suspirado um “até que enfim” onde quer que esteja nos braços da eternidade.
Corri no Google e fiquei sabendo que se trata de uma Hylocereus undatus da família da cactácea cuja flor abre uma só vez durante a noite e dura apenas algumas horas. Conhecida popularmente por vários nomes, entre eles rainha da noite, dama da noite e flor da lua, este pra mim o mais romântico e até lhe atribui um quê de trágico e pensei: uma flor de rara beleza, apaixonada, se entrega totalmente a lua e pela manhã cai exausta, pendurada nos ramos, e assim morre!
Soube mais, que está foi a flor que em 1988 levou Margaret Mee, uma inglesa que morou muitos anos no Brasil, considerada uma das maiores ilustradora botânica do século XX, aos 79 anos de idade, a uma expedição na região amazônica para desenhar a flor da lua em seu habitat natural.  
Não sei se minha tia soube quem foi Margaret Mee, mas ela sabia do que estava falando quando me disse se tratar da flor mais linda do mundo. 
    

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Capivaras: uma história de amor e ódio


Capivaras: uma história de amor e ódio
(A. M. de Godoy T.)

Esta história começou quando a primeira capivara apareceu na minha vida e está longe de ter um fim.  Foi numa tarde de verão. Estava no jardim quando a vi na beira do lago que margeia a mata. Ela pressentiu a minha presença e fugiu rapidamente mata adentro.
Depois disso dei de espiar o local na esperança de vê-la novamente.
Demorou alguns dias e ela voltou. E fugiu tal como da primeira vez.
Eu continuei espreitando o lugar.
Ela voltou novamente. E fugiu. Tornou a voltar. E tornou a fugir.
Nessas aparições e fugas o tempo que permanecia foi aumentando e se eu diminuía a distância que nos separava, ela fugia. Compreensiva, parei de insistir.
O tempo foi passando e sentindo-se segura passou a frequentar o lago. Era prazeroso observar a tranquilidade com que entrava na água, nadava, afundava, voltava para a margem, pastava um pouco, voltava a nadar e depois ia embora. Voltava outro dia, quando queria, e permanecia o tempo que desejava. Estávamos nos tornando íntimas.
Acontece que essa nossa intimidade deu-lhe a liberdade de trazer amigos. Um bando de seis capivaras aparecia no final de tarde para pastar na beira do lago e se refrescar nas suas águas.
Esperar por elas tornou-se um vício. Quando não vinham, ficava desapontada.
Pra quem não lembra, abro aqui um parêntese. Capivara é um mamífero roedor, de porte grande, da mesma família do porquinho da índia, este sim, um fofo! Já a capivara é um bicho feio, grandalhão, o corpo parece desproporcional em relação às patas e a cara, esta meio quadrada dando a impressão de um desenho mal terminado. A pelagem é densa, dura, de coloração escura, o que acrescenta mais feiura ao bicho.
E o tempo foi passando. E elas ganhando confiança. E da beira do lago passaram a frequentar o jardim.
Até ai tudo bem se não fosse o fato de que próximo ao lago, quase ao mesmo tempo em que vi a primeira capivara, plantei mais de duzentas mudas de palmito juçara (euterpe edulis), palmeira que já foi abundante nas matas da região e hoje proibida de corte por estar em extinção.
Eu fiz as mudas. Preparei a sementeira, esperei dias até germinarem, mais outros tantos e as transplantei para os balaios. Esperei muito mais até atingirem o ponto certo de plantio, abri e esterquei as covas. Plantei uma muda em cada cova, marquei o local com estaca de bambu, reguei e rezei para que vingassem.
Reza bem rezada e cuidados bem cuidados, as palmeiras cresciam bonitas e saudáveis. Quando estavam com um metro de altura o bando as descobriu e se fartaram, deixando apenas sete pés, que não sei o porquê deste número, exceto que é atribuído à conta de mentiroso e quisera eu estar aqui contando uma mentira.
Quando vi o estrago fui tomada de imensa raiva e uma nuvem negra pairou sobre minha cabeça. Tudo em minha volta parecia odioso. Esqueci os momentos de alegrias atribuídos àqueles bichos e roguei praga em todo o bando.
Fiquei de mal com elas. Ignorava-as.
Os palmitos sobreviventes receberam uma redoma feita de bambus e arames. Visitava-os várias vezes ao dia. Queria que elas vissem que eu estava por perto, vigiando.
Um dia, passeando em volta do lago onde cresce uma vegetação rasteira e arbustiva típica de banhado, avistei um local que parecia um roçado. Aproximei-me e deparei-me com duas capivaras adultas e um filhote que dormiam profundamente. A respiração delas, pausadas e tranquilas, arfava seus abdomens volumosos. E quando expiravam, faziam tremer os fios dos seus bigodes e as folhas de capim ao seu redor. O filhote estava aconchegado e com a cabeça enterrada na barriga de uma delas, formando um bloco volumoso e único. 
Afastei-me do lugar quase sem respirar, com o coração disparado e os olhos mareados. Os palmitos juçaras que me desculpem, mas voltei imediatamente a amar aqueles bichos.
Algum tempo se passou. Plantei mais palmitos juçaras, trezentos e cinquenta mudas pra ser mais precisa, em lugar completamente seguro do bando que continua a frequentar o lago e o jardim.
Há dois anos elas descobriram uma touceira de bananeira do mato (helicôneas) que levaram cinco anos para se adaptarem e florescerem como se deve: com vigor e abundância. Antes da descoberta estiveram esplendorosas. Abriram dezenas de cachos de flores que foi preciso retirar alguns pés pra abrir espaço entre os demais. Ano passado, na primavera, abriram doze cachos oriundos de alguns pés que foram enjaulados numa redoma de bambus e arames. Senti raiva novamente daqueles bichos e passei toda a primavera fazendo o que podia e sabia: ignorando-os.

E assim vamos vivendo, os palmitos, as helicônias, as capivaras e eu, numa história de amor e ódio que ainda está longe de terminar. Enquanto isso bebês capivaras crescem bonitos, saudáveis e bem nutridos.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

A dália e o besouro

 A dália e o besouro
(A.M.de Godoy T.)


O que queres seu besouro
Acaso buscas um tesouro?
Cuidado com estas patas
Tenho pétalas delicadas.

O que pensas encontrar.
Se nada tenho a guardar.
Sequer de tempo posso dispor
A encantar aqui com minha cor.

Sou bela e grandiosa
Neste meu reino sou exótica,
Mas de vida tão efêmera
Feito paixão passageira.

Seja breve então, tua procura
Que o amanhã é desventura.
Pois se para ti a vida segue
Para mim ela fenece.

sábado, 9 de junho de 2018

Com licença, mestres


Com licença, mestres
(A.M. de Godoy T.)


Ando com pensamentos estranhos a me tirar o sono. Fico a pensar como ficará nosso Canto depois da nossa partida. A propósito, nosso Canto é nosso pedacinho de terra, para onde vamos todos finais de semana. E tem mais, nosso Canto é nosso filho, e é bom esclarecer: só temos este. E lá se vão trinta anos de dedicação e zelo feitos pais dedicados e amorosos a defender a cria como convém. Agora, o protegemos, o temos em apreço e a ele nada falta. Está sempre perfeito.
Nosso Canto tem flores e também palmeiras onde canta a sabiá. Nosso Canto é nosso exílio! Por isso hoje me ponho a cismar como ficará depois, depois da nossa passagem para o lado de lá.
Como ficarão as flores? Elas necessitam de olhares constantes, regas diárias, podas em épocas certas. Precisam ser replantadas nas estações corretas, pois isso garante a florada esplendorosa e bela e periodicamente o solo precisa ser fertilizado e as ervas daninhas arrancadas. São trabalhos repetitivos, dia após dia, e não se pode faltar, negar, falhar, sem herdar, por conta disso, o cenário da devastação e do abandono.
A grama dá trabalho, carece ser aparada semana sim, semana não nos meses de novembro a abril. E depois, em agosto, pede terra preta derramada por cima, em camada bem fina, para crescer bonita na estação das flores.
A mata exige trabalho também. Árvores apodrecem, árvores secam. São as doenças, as pragas e se não forem combatidas, atacarão árvores sadias, sejam de porte alto, baixo, não importa, cairão pelo chão. E os cipós? Estes estão sempre rondando e se deixarmos enlaçarão as árvores e isso impedirá o crescimento normal e pode, até, levá-las a morte. Por isso precisam ser arrancados, mas atenção: tem jeito para ser feito, não pode ser a torto e a direito. E é assim, manejo constante. Sem trela. Sem descanso.
Sem os pais, como será? Não sei ainda, por isso sigo com a minha cisma, mas posso afirmar: — a várzea do nosso Canto tem mais flores e lá nossas vidas têm mais amores.
Como ficará o rio com o leito cheio de coisas por tirar: galhos, troncos e tantos objetos como plásticos e vidros carregados e depositados no remanso dos meandros? Se para limpá-lo é necessário adentrar-se, molhar-se até o peito, pisar o chão às cegas, sem medo e sem receio e ter forças para arrancar os trastes a cobrir o leito? Como ficará nosso rio vagaroso, de margens verdejantes e cheias de beijos floridos e jasmins cheirosos?
Não é diferente com o lago. Não mesmo! Plantas invasoras crescem e se proliferam rapidamente. Se não forem erradicadas ganharão força, e isso não é bom, nem para os peixes, pois terão menos área para nadar, e nem para as aves, pois o local não fica bom para nidificar.
E há os peixes do lago e também as aves e os ratões do banhado. Todos precisam ser alimentados. E não fica de fora a horta e o pomar e a casa e as estradas e os caminhos pela mata.
E também as pontes de madeira? Volta e meia precisam ser pintadas para se conservarem inteiras. O mesmo com a casa do mel e onde ficam as abelhas. Há de se fazer a limpeza, caso contrário, com o passar do tempo nada sobrará.
É por conta de todo o relato acima a minha cisma. E posso dizer mais, lá as matas e as flores têm mais vida. E minha vida, mais encanto e mais cores.
Às voltas com esses pensamentos estranhos venho passando vários dias. Minha alma não tem sossego. Não sei como ficará nosso Canto, órfão de pai e mãe, sozinho e sem amparo, solitário e abandonado. E mesmo pondo os pensamentos desse jeito, com rimas entremeadas a ermo, a dar a este texto ar de gracejo, ainda assim não tenho sossego e volto a me indagar: — e então, como será?
Como será ainda não sei. Sei apenas isso: fiz como você mestre Ziraldo, ao redigir reminiscência sem a vogal "o". Neste texto escrevi sem o “u”, a vogal derradeira e se não o fiz lindamente como você é por ter nascida Ângela e ser, ainda, aprendiz nessa seara das letras. E a você mestre Gonçalves Dias, direi mais: nosso Canto faz parte da terra verde e amarela. A nossa terra! E também peço para não morrer longe dela.