segunda-feira, 18 de junho de 2018

Capivaras: uma história de amor e ódio


Capivaras: uma história de amor e ódio
(A. M. de Godoy T.)

Esta história começou quando a primeira capivara apareceu na minha vida e está longe de ter um fim.  Foi numa tarde de verão. Estava no jardim quando a vi na beira do lago que margeia a mata. Ela pressentiu a minha presença e fugiu rapidamente mata adentro.
Depois disso dei de espiar o local na esperança de vê-la novamente.
Demorou alguns dias e ela voltou. E fugiu tal como da primeira vez.
Eu continuei espreitando o lugar.
Ela voltou novamente. E fugiu. Tornou a voltar. E tornou a fugir.
Nessas aparições e fugas o tempo que permanecia foi aumentando e se eu diminuía a distância que nos separava, ela fugia. Compreensiva, parei de insistir.
O tempo foi passando e sentindo-se segura passou a frequentar o lago. Era prazeroso observar a tranquilidade com que entrava na água, nadava, afundava, voltava para a margem, pastava um pouco, voltava a nadar e depois ia embora. Voltava outro dia, quando queria, e permanecia o tempo que desejava. Estávamos nos tornando íntimas.
Acontece que essa nossa intimidade deu-lhe a liberdade de trazer amigos. Um bando de seis capivaras aparecia no final de tarde para pastar na beira do lago e se refrescar nas suas águas.
Esperar por elas tornou-se um vício. Quando não vinham, ficava desapontada.
Pra quem não lembra, abro aqui um parêntese. Capivara é um mamífero roedor, de porte grande, da mesma família do porquinho da índia, este sim, um fofo! Já a capivara é um bicho feio, grandalhão, o corpo parece desproporcional em relação às patas e a cara, esta meio quadrada dando a impressão de um desenho mal terminado. A pelagem é densa, dura, de coloração escura, o que acrescenta mais feiura ao bicho.
E o tempo foi passando. E elas ganhando confiança. E da beira do lago passaram a frequentar o jardim.
Até ai tudo bem se não fosse o fato de que próximo ao lago, quase ao mesmo tempo em que vi a primeira capivara, plantei mais de duzentas mudas de palmito juçara (euterpe edulis), palmeira que já foi abundante nas matas da região e hoje proibida de corte por estar em extinção.
Eu fiz as mudas. Preparei a sementeira, esperei dias até germinarem, mais outros tantos e as transplantei para os balaios. Esperei muito mais até atingirem o ponto certo de plantio, abri e esterquei as covas. Plantei uma muda em cada cova, marquei o local com estaca de bambu, reguei e rezei para que vingassem.
Reza bem rezada e cuidados bem cuidados, as palmeiras cresciam bonitas e saudáveis. Quando estavam com um metro de altura o bando as descobriu e se fartaram, deixando apenas sete pés, que não sei o porquê deste número, exceto que é atribuído à conta de mentiroso e quisera eu estar aqui contando uma mentira.
Quando vi o estrago fui tomada de imensa raiva e uma nuvem negra pairou sobre minha cabeça. Tudo em minha volta parecia odioso. Esqueci os momentos de alegrias atribuídos àqueles bichos e roguei praga em todo o bando.
Fiquei de mal com elas. Ignorava-as.
Os palmitos sobreviventes receberam uma redoma feita de bambus e arames. Visitava-os várias vezes ao dia. Queria que elas vissem que eu estava por perto, vigiando.
Um dia, passeando em volta do lago onde cresce uma vegetação rasteira e arbustiva típica de banhado, avistei um local que parecia um roçado. Aproximei-me e deparei-me com duas capivaras adultas e um filhote que dormiam profundamente. A respiração delas, pausadas e tranquilas, arfava seus abdomens volumosos. E quando expiravam, faziam tremer os fios dos seus bigodes e as folhas de capim ao seu redor. O filhote estava aconchegado e com a cabeça enterrada na barriga de uma delas, formando um bloco volumoso e único. 
Afastei-me do lugar quase sem respirar, com o coração disparado e os olhos mareados. Os palmitos juçaras que me desculpem, mas voltei imediatamente a amar aqueles bichos.
Algum tempo se passou. Plantei mais palmitos juçaras, trezentos e cinquenta mudas pra ser mais precisa, em lugar completamente seguro do bando que continua a frequentar o lago e o jardim.
Há dois anos elas descobriram uma touceira de bananeira do mato (helicôneas) que levaram cinco anos para se adaptarem e florescerem como se deve: com vigor e abundância. Antes da descoberta estiveram esplendorosas. Abriram dezenas de cachos de flores que foi preciso retirar alguns pés pra abrir espaço entre os demais. Ano passado, na primavera, abriram doze cachos oriundos de alguns pés que foram enjaulados numa redoma de bambus e arames. Senti raiva novamente daqueles bichos e passei toda a primavera fazendo o que podia e sabia: ignorando-os.

E assim vamos vivendo, os palmitos, as helicônias, as capivaras e eu, numa história de amor e ódio que ainda está longe de terminar. Enquanto isso bebês capivaras crescem bonitos, saudáveis e bem nutridos.

3 comentários:

  1. Me acabei de rir quando o Antônio me contou sua odisseia com as capivaras...sei não mas acho que é elas vão ganhar sempre...kkkk

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    1. Ah...pior que vão. Mas como não amar esses bichos. E como não ficar de mal com elas quando aprontam heheheh

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