sábado, 9 de junho de 2018

Com licença, mestres


Com licença, mestres
(A.M. de Godoy T.)


Ando com pensamentos estranhos a me tirar o sono. Fico a pensar como ficará nosso Canto depois da nossa partida. A propósito, nosso Canto é nosso pedacinho de terra, para onde vamos todos finais de semana. E tem mais, nosso Canto é nosso filho, e é bom esclarecer: só temos este. E lá se vão trinta anos de dedicação e zelo feitos pais dedicados e amorosos a defender a cria como convém. Agora, o protegemos, o temos em apreço e a ele nada falta. Está sempre perfeito.
Nosso Canto tem flores e também palmeiras onde canta a sabiá. Nosso Canto é nosso exílio! Por isso hoje me ponho a cismar como ficará depois, depois da nossa passagem para o lado de lá.
Como ficarão as flores? Elas necessitam de olhares constantes, regas diárias, podas em épocas certas. Precisam ser replantadas nas estações corretas, pois isso garante a florada esplendorosa e bela e periodicamente o solo precisa ser fertilizado e as ervas daninhas arrancadas. São trabalhos repetitivos, dia após dia, e não se pode faltar, negar, falhar, sem herdar, por conta disso, o cenário da devastação e do abandono.
A grama dá trabalho, carece ser aparada semana sim, semana não nos meses de novembro a abril. E depois, em agosto, pede terra preta derramada por cima, em camada bem fina, para crescer bonita na estação das flores.
A mata exige trabalho também. Árvores apodrecem, árvores secam. São as doenças, as pragas e se não forem combatidas, atacarão árvores sadias, sejam de porte alto, baixo, não importa, cairão pelo chão. E os cipós? Estes estão sempre rondando e se deixarmos enlaçarão as árvores e isso impedirá o crescimento normal e pode, até, levá-las a morte. Por isso precisam ser arrancados, mas atenção: tem jeito para ser feito, não pode ser a torto e a direito. E é assim, manejo constante. Sem trela. Sem descanso.
Sem os pais, como será? Não sei ainda, por isso sigo com a minha cisma, mas posso afirmar: — a várzea do nosso Canto tem mais flores e lá nossas vidas têm mais amores.
Como ficará o rio com o leito cheio de coisas por tirar: galhos, troncos e tantos objetos como plásticos e vidros carregados e depositados no remanso dos meandros? Se para limpá-lo é necessário adentrar-se, molhar-se até o peito, pisar o chão às cegas, sem medo e sem receio e ter forças para arrancar os trastes a cobrir o leito? Como ficará nosso rio vagaroso, de margens verdejantes e cheias de beijos floridos e jasmins cheirosos?
Não é diferente com o lago. Não mesmo! Plantas invasoras crescem e se proliferam rapidamente. Se não forem erradicadas ganharão força, e isso não é bom, nem para os peixes, pois terão menos área para nadar, e nem para as aves, pois o local não fica bom para nidificar.
E há os peixes do lago e também as aves e os ratões do banhado. Todos precisam ser alimentados. E não fica de fora a horta e o pomar e a casa e as estradas e os caminhos pela mata.
E também as pontes de madeira? Volta e meia precisam ser pintadas para se conservarem inteiras. O mesmo com a casa do mel e onde ficam as abelhas. Há de se fazer a limpeza, caso contrário, com o passar do tempo nada sobrará.
É por conta de todo o relato acima a minha cisma. E posso dizer mais, lá as matas e as flores têm mais vida. E minha vida, mais encanto e mais cores.
Às voltas com esses pensamentos estranhos venho passando vários dias. Minha alma não tem sossego. Não sei como ficará nosso Canto, órfão de pai e mãe, sozinho e sem amparo, solitário e abandonado. E mesmo pondo os pensamentos desse jeito, com rimas entremeadas a ermo, a dar a este texto ar de gracejo, ainda assim não tenho sossego e volto a me indagar: — e então, como será?
Como será ainda não sei. Sei apenas isso: fiz como você mestre Ziraldo, ao redigir reminiscência sem a vogal "o". Neste texto escrevi sem o “u”, a vogal derradeira e se não o fiz lindamente como você é por ter nascida Ângela e ser, ainda, aprendiz nessa seara das letras. E a você mestre Gonçalves Dias, direi mais: nosso Canto faz parte da terra verde e amarela. A nossa terra! E também peço para não morrer longe dela.




3 comentários:

  1. Verdadeira Poetisa até mesmo diante de seus receios, "cismas"... Também fiquei a pensar, lugar como esse Canto, não sei se pode deixar ao Deus dará... Tem que ter alguém que ame a Terra para cuidar... E como diria minha mãe: "É um pedacinho do Paraíso que Jeová Deus irá restaurar por toda a Terra"!

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  2. Obrigada por gostar. Enquanto isso...fica o exercício, o ensaio, das palavras

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  3. "Olhai os lírios dos campos que não tecem nem fiam...porém nem Salomão em sua glória se vestiu como um deles." Tenho certeza minha amiga que esse pedacinho de paraíso encontrará mãos amorosas para dar continuidade ao trabalho lindo de voces.

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